contraponto
disseste-me tu que sou eu a ventania...
e sou agora o vácuo... o vácuo de ti. e não sou nem as asas do vento... e não há nem um vulto teu à minha volta. e queria eu poder pousar em teu rosto... num beijo... num beijo que nunca pude eu te dar. despida. de mim... de tudo. tal a brisa fresca da paz... da paz que nunca a tiveste. e queria poder sentir o cheiro teu... mesmo sem que gostes tanto... mesmo que para isso tivesse eu que ser ventania... sem poder o ser, tampouco o vácuo. este que sinto. e sem nem um vulto teu à minha volta. e sou o nada. sinto-me o nada de um tamanho sem fim. pequena... tão pequena diante das impossibilidades tantas. e já não importa mais nada... e está tudo perdoado... justificado. só temos os dois as roupas velhas que usamos... trapos! dos nossos percalços... dos nossos passos de dança... e contra-dança. das nossas palavras caladas. das nossas tantas palavras ditas. na descompassada valsa pela vida. ambos de vermelho e descabelados sempre! mas sem a graça... sem o tom... estou eu e findo aqui. só a graça da menina que fui posso eu tocá-la de longe. da menina que ainda sou apenas quando contigo estou. quando pousa em mim o teu olhar de um verde tão cansado... pesado... das tantas mágoas... das tantas vidas para uma única vida tua. disseste-me tu que sou eu a ventania... e quero ser hoje apenas uma pouca brisa fresca da tua paz... da paz que nunca tivemos... da paz que reside no mais absoluto silêncio e apenas e somente. e que irá ficar no lugar de tudo. do quase nada que somos todos... de tudo o que somos ainda juntos. e sopro daqui, então, a brisa fresca da tua paz... da paz que não sinto nunca... da paz que hoje é só tua... nesse instante... te dou... e que contradiz ela a sorte de ser o que ninguém diz sobre a paz. e sós estamos... na ventania que sopra-nos a face... ventos dessa paz apenas tua... hoje. e o que fica em mim...? é um desassossego sem fim... é o contraponto dessa paz tua. Karla Mello 09 de Setembro de 2013
Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 09/09/2013
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