uns tantos fevereiros...
e estive eu a lembrar-me
daquela noite chuvosa onde vestia eu um fato de princesa... branquinho... tal os sonhos meus. e passou o trem... o meu trem... subi apressadamente... flores e amores nas mãos... e olores dos canteiros da juventude minha guardados àpenas a ti. chovia. e eras sêco... nem molhava a ti a chuva que vinha de fora... nem as gotas orvalhadas do meu amor... mas eu subi no trem... nas badaladas tantas do sino da igreja. olhei-me... bela toda a juventude... olhei-te... olhei-te... olhei-te... eu nunca te vi... não sei se consegui tocar-te. mas sei de mim... e do meu amor molhado da chuva... do orvalho das flores que trazia eu nas mãos... que tresandava a sonhos de eternidade. sufoco-me... nem quero lembrar-me... despetalei as flores todas... despetalamos... desci do trem como uma louca! prendeu-se o meu vestido nos tantos tropeços meus... nos tantos vagões... nos nossos passos vagos... terminei por rasgar o alvo vestido em farrapos. de mim. quebrei o salto dos sapatinhos de cristal. atirei-os longe... nem sei onde os perdi... e tangi os anjos e as borboletas... todos! e sei apenas dos caminhos que percorri... descalça. sei apenas dos meus pés cortados e cansados de caminhar... em voltas... à nenhures... ao nada. sei do meu nada... e das noites com medo do escuro. e das noites com medo do bicho-homem. sei das rosas que não mais ganhei... não mais. dos meus desaniversários... da solidão... e sei do meu declínio... íngrime... íngrime... veloz. das minhas perdas. e das duas mães que se foram: uma, de morte morrida - outra, de morte matada... e da dor lacerante e perpétua. mas posso ainda eu falar daquele tempo... um tempo em que eu era cercadinha de cuidados tolos... ternos... e risadinhas de querubins... e restinhos de bombons pregados em minha roupa. sempre... e esse tempo é um quadro... eu pintei-o e pendirei-o nas paredes do meu coração. e esse tempo é verso... que escorre dos meus olhos e sangram do coração... e escore pelas minhas mãos. é o único grito que eu consigo soltar. no mais... é o nada... sem mais. encontrei um passarinho machucado... com os pezinhos iguais aos meus... e é um abraço que acolhe-me... e é tudo. e fez ninho em meu coração... nuns tantos fevereiros de mim. Karla Mello 27 de Fevereiro de 2013
Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 27/02/2013
Alterado em 27/02/2013 Copyright © 2013. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |