Karla Mello

Amar pode ser poço... Amar nunca será vão.

.. Escreve a Florbela Espanca .. "Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver e que nunca na vida me encontrou"
Textos

PRIMEIRO SONHO DA MINHA MALINHA… DE CASULOS E BORBOLETAS
Acho que ando agora pela Praça do Teatro Santa Izabel.
Linda grama… verdinha… cheiro de terra molhada. Como eu gosto!
Esta cidade é mesmo linda… e é minha!
Sim! Ele disse-me que sou sua “filha”!
Segura na minha mão este homem… lindo!
Mãos finas… dedos longos.
Sempre achei bonitas as mãos de meu pai.
São tão poucos os momentos contigo, papai.
Verto-os em sonhos. Guardo-os na minha malinha imaginária.
Aquela… de casulos e borboletas.
Sou pequenina ainda… Seis anos… Ou cinco… Não sei.
Mas sou grande por dentro. Nos meus sonhos.
Ele acredita nos meus sonhos. E eu… nos dele.

O tempo, para nós, é curto… ele ocupa-se com complicações do mundo.
Ocupa-se em escrever… Meu pai escreve muito em sua máquina Olivetti.
E dedilha-a tão rápido! Faz uma carinha de quem ouve músia clássica.
Tenho a sensação de que ele sái do lugar… flutua…
Ele gosta! E do Chico… Buarque. Ouve muito!
Ele não tem muito tempo comigo… Trabalha muito.
Chefia uma redação. Nem posso imaginar o que seja isto.
Só sei que quando ele leva-me lá, são tantas máquinas de escrever num ritmo frenético!
E quando estamos perto de adentrar nesta sala cheia de máquinas que “tocam” a mesma “música”… Ele pentei-me as sobrancelhas com os dois polegares…
Sim!! Lambe os polegares e as penteia. Hummm!!
Eu não acho muito higiênico.  Mas, enfim. Fico a olhar para ele.
Tira do bolso o seu pente de “osso” e desalinha-me os curtos cabelos.
Curtos… muito curtos! Ele leva-me a cortá-los na sua barbearia.
Mas nunca conta para mamãe. Ela não gosta. Já chego de cabelinhos muito curtos!
Ele diz-me linda assim. E eu adoro estas molecagens de papai. Ele se parece comigo.

Praça do Teatro Santa Isabel… vontade de fazer xixi.
Ele esconde-me… e diz-me para eu fazer ali mesmo.
Xiiiiiiii…. Faço. Ele diz-me que quando eu crescer…
Vou lembrar-me que fiz xixi aqui. E acho que vou mesmo!
Ele acabou de me levar a conhecer este tal teatro. E Disse-me:

“Minha filha. Nasceste mulher. É tão difícil o mundo para as mulheres…
Venha sempre ao Teatro… Eles são ensaios para a Vida!
Leia sempre bons livros… eles te ajudarão a voar… alto!
Voe sempre alto! … Mas não esqueça: Não deve tirar os pés do chão.
Vou te dar um livro da Cecília… vais começar com ele.
Escute sempre boas músicas. Elas te educarão os hábitos.
Escrevas de vez em quando. Mesmo que apenas para você mesma.
Pode ser que nasçam lindos escritos de você.
E estude. Muito. A mulher só é livre quando é livre economicamente.
Não dependa de ninguém… nem tenha medo de nada.
Se puder… viage. Sempre! Outros mundos e outras pessoas.”

Eu fiquei a olhar para ele e pensei:
São tantas coisas que tenho que fazer… Esse papai… sempre inventando-me coisas!
Terminei o xixi… Usava vestidinho branco de linho… bordadas borboletinhas coloridas por minha mãe. Meinhas de croché que me apertavam e atrapalhavam os pensamentos… até os joelhos. Sapatinhos de verniz branco.
Demos as mãos e saímos pelas ruas de Recife.

Ruas de minhas lembranças. De minha infância. De meu pai.
Do primeiro livro … “OU ISTO OU AQUILO”.
De minha malinha de casulos e borboletas.
Este foi o meu primeiro sonho que nela guardei.
Mãos finas… olhos claros… olhar terno.
Apenas um pouco cansado… Às vezes, chora. Não sei porquê.
Ele some, de vez em quando… não sei para onde.
Minha mãe diz que ele viaja.
Mas ela esconde muitos livros em nossa casa quando ele viaja...
E há umas visitas muito estranhas por lá. Até o Chico Buarque pára de tocar na nossa vitrola.
Silêncio… Minha mãe diz que não devo falar nada.
Só pensar em coisa boas… E que papai me ama.

Karla Mello
17/08/2011
Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 17/08/2011
Alterado em 05/10/2017
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